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COVID-19 X Melhor Interesse da Criança

Melhor interesse da criança

O princípio do melhor interesse da criança foi instituído porque outrora havia uma inversão de valores e prioridades nas relações entre pais e filhos, seja no âmbito da convivência familiar ou quando existiam problemas, como nas separações de casais. Nesta época, o poder pátrio existia em função do pai, enquanto a autoridade parental ou poder familiar ocorre em função e no interesse da criança. Nas separações dos pais, o interesse do filho era secundário ou irrelevante. Com a evolução doutrinária e do ordenamento jurídico pátrio, hoje, qualquer decisão deve ser tomada considerando seu melhor interesse.

Assim, o princípio do melhor interesse da criança faz com tanto crianças quanto adolescentes sejam entes protegidos e prioritários para o Estado, para a sociedade e para a Família, seja na elaboração ou na aplicação dos direitos que lhe digam respeito.

Em contrapartida, vivemos atualmente um período de exceção ocasionado pelo novo corona vírus, ou COVID-19, onde as recomendações da Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde são de distanciamento e isolamento social.

Com isso, diversos problemas vêm surgindo no âmbito do direito de família neste período de exceção, dentre os quais elencamos: se é devido pensão alimentícia, se posso reduzir a pensão alimentícia, se serei preso se não pagar a pensão neste período, se a convivência com meu filho pode ser revista, entre outros.

O Judiciário brasileiro já está abarrotado de ações que discutem as dúvidas referidas acima, com os mais diversos posicionamentos possíveis.

Em São Paulo, um Juiz determinou a redução do valor do pagamento de alimentos em razão da pandemia de COVID-19. Na decisão, a 2ª Vara de Família e Sucessões alterou a forma de se calcular a pensão para os meses de março, abril maio e junho de 2020, nos quais a obrigação alimentar estaria fixado em 30% (trinta por cento) do salário mínimo. Após o período, em caso de emprego formal, a mãe da adolescente destinaria 20% (vinte por cento) de seus rendimentos líquidos ao sustento da filha.

O magistrado disse ter considerado o fato de a genitora ter outra filha, além da pandemia ter forçado o isolamento social maciço e reduzido a atividade econômica dos países.

No Rio Grande do Sul, um Desembargador manteve a decisão de um juiz que suspendia o direito de convivência do genitor com o filho menor até 30/04/2020.

Na espécie, a ação foi ajuizada antes das restrições impostas pela pandemia e previa a convivência definitiva dos genitores. Aquele que não detinha a residência como referência conviveria com o filho em fins de semana alternados, alternando-se feriados e visitação em dois turnos semanais.

Sobreveio a decisão do juiz, contudo, suspendendo o contato físico até a data mencionada anteriormente, em razão das recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde para distanciamento social, a pedido do genitor que detinha a guarda. Ou seja, certamente houve um pedido incidental de tutela para suspender a convivência.

Importante mencionar na decisão vinda do TJRS a fala importantíssima para o momento, a qual, inclusive sempre defendo, que “o melhor modo de lidar com a situação é conversando francamente e expressando suas preocupações de forma transparente e honestamente voltada ao bem estar dos filhos. A prioridade nesse momento é fazer tudo que estiver ao seu alcance para evitar que seus filhos sejam expostos ao vírus” (Dr. Roberto Arriada Lorea, da Justiça Estadual do Rio Grande do Sul).

Dando sequência, o magistrado ponderou qual seria o bem da vida mais significativo, se promover o contato físico entre pais e filhos submetendo ambos a risco de vida ou sendo possível adaptar a convivência parental para o modo virtual, preservando-se simultaneamente a exposição ao risco de contaminação e a convivência parental, ainda que na modalidade digital.

Outra decisão bastante comentada foi aquela que determinou prisão domiciliar para os devedores de pensão alimentícia enquanto perdurar as restrições da pandemia de COVID-19.

Isso porque os devedores de pensão alimentícia foram presos justamente para pagar os débitos de pensão alimentícia que estavam em atraso, assim, ao serem liberados, a probabilidade de continuarem inadimplentes é altíssima. É praticamente um chamamento ao inadimplemento, neste período, daqueles que devem prestar auxílio financeiro aos filhos menores.

O fato da existência do impacto financeiro devido ao isolamento social reduzindo a capacidade laboral não desobriga o devedor e a responsabilidade de pagar todas as despesas não pode recair somente para quem detém a guarda do filho. Todos estão sofrendo impactos financeiros neste momento.

A prisão de fato força aquele que deve prestar auxílio financeiro a arrumar outra forma de quitar os débitos alimentares.

Nas decisões mencionadas acima, estava em análise os alimentos para o menor, a convivência entre genitores no período de exceção e a prisão civil do devedor de alimentos. O que as decisões teriam em comum? Violações ao princípio do melhor interesse da criança.

Na primeira decisão, o magistrado considerou somente a situação econômica trazida pelo período de exceção desconsiderando, portanto, que as necessidades da criança permanecem as mesmas, quiçá aumentam porque elas passam mais tempo em casa, gerando mais gastos com supermercado, energia elétrica, entre outros. Com isso, entendo que essa referida decisão pode ter violado o princípio do melhor interesse da criança.

Enquanto isso, na ação que discutia somente a convivência entre os genitores com o filho menor, o magistrado decidiu considerando o princípio do melhor interesse da criança ao suspender o direito de convivência do genitor que não detinha a guarda até 30/04/2020.

Já na decisão que afrouxou a prisão civil do devedor de alimentos, o Ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, é “diminuir a grande aglomeração de pessoas em unidades prisionais insalubres que gere dificuldades para garantir a observância de procedimentos mínimos de higiene e de isolamento rápido dos indivíduos com sintomas do vírus”.

Com isso, há nitidamente um conflito de interesses entre o princípio do melhor interesse da criança e a pandemia ocasionada pelo Covid-19. Até que ponto deve a pandemia afetar os interesses daqueles que deviam ser protegidos pelo Estado, sociedade e família? Por isso, o bom diálogo é sempre o início para evitar estes conflitos judiciais.

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